quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A arte esquecida de não fazer nada (Don Herold)

O homem comum de nossos dias, quando vê pela frente uma hora de ociosidade, sente-se tomado de pânico. Uma hora sem ter nada que fazer? Dito isso, põe-se a tremer, entra no carro, e dispara, em busca de diversão.Quanto a mim, dou graças a Deus de haver nascido e crescido em uma idéia, no tempos remotos das carruagens, quando a gente sempre tinha (e se não tinha, arranjava) tempo para sentar-se a pensar, e tantas vezes só para ficar sentado. Quando não havia nada que fazer, os homens reuniam-se à sombra, na oficina do ferreiro ou na sala dos fundos da farmácia local, e travavam conversas de alto significado, sem nada em comum com a prosa cacete e oca que nós, os modernos, somos obrigados a aturar nas reuniões mundanas. Se alguém sentia ânimo suficiente para cavar um poço ou abrir os caboucos de um porão, nós nos reuníamos em volta para vê-lo trabalhar, e para tecer considerações filosóficas, ou inventar boas piadas.

A consequencia foi que na minha terra natal abundavam os indivíduos de personalidade, e não havia automatos. Mas onde estão hoje os lugares e as pausas que nos permitam entregar-nos à contemplação? Até a leitura é feita agora em linha de montagem... às vezes pergunto quantas pessoas haverá que pensam enquanto lêem. Devoramos páginas de matéria impressa, sem quase nos determos para ponderar. O consumo apavorante de pasquins, e a torrente irresistível dos espúrios best-sellers, o estão provando. Em toda essa forragem é raro haver um grão de vitamina para o nosso espírito.

Estou pleiteando menos ocupações nas horas de ócio, e mais tempo consagrado à simples ocupação de ficar sentado e matutando. Como é que a gente há de saber, porém, quando está sofrendo um ataque de "trabalhite"?

Bem, o primeiro sintoma é quando a gente tem a sensação de ser um coelho perseguido por galgos. Ou quando dá por pedras só porque perdeu o bonde ou o autocarro, embora saiba perfeitamente que daí a cinco minutos passará outro. Ou então, quando a gente brinca com o bebe, ou o netinho, e está de olho no relógio. Ou quando um homem se sente tão cheio de trabalho, que nem tem tempo para procurar uma palavra no dicionário, e (já que está com a mão na massa) para aproveitar o ensejo e estudar as palavras vizinhas na mesma página. Ou se damos conosco a apanhar um táxi para correr a quatro quarteirões de distância, em vez de ir a pé. Ou se devoramos o almoço com rapidez com que uma locomotiva absorve a água que escorre de um cano.

"Mas então", perguntará o leitor, "que é que o senhor quer que a gente faça para remediar isso?"

O remédio consiste, essencialmente, em conseguir elaborar um sentimento de ociosa despreocupação, à medida que vamos vivendo. Sair menos, ficar mais em casa. Arranjar tópicos melhores e mais importantes para entreter o pensamento durante os períodos menos atarefados. Até mesmos uma simples tentativa passageira de editação contribui para afrouxar o nosso ritmo. E se conseguimos ir despreocupados, remanchando, acodem-nos naturalmente os pensamentos mais importantes. Thoreau formulou essa idéia da seguinte maneira: "Quando somos pachorrentos e sensatos, percebemos que somente as coisas grandes e dignas têm qualquer existência absoluta e permanente; que os prazeres inferiores são apenas uma aparência da realidade". Pascal tinha como certo que a maior parte dos males da vida provêm do fato de que "o homem é incapaz de ficar sentado quieto, num quarto". Queria ele significar, com isso, não um modo de nos mantermos alheios à prática do mal, mas um meio de abrirmos os nossos poros à vida. Minha única arma contra a existência frenética da metrópole moderna, é "desvanecer-me" de vez em quando depois do almoço, quando volto ao escritório, tiro um cochilo de meia hora, e deixo Roma arder... Conheço outras pessoas que fazem a mesma coisa; em sua maioria, sofrem de trombose coronária, às vezes julgo que não seria má idéia se todos resolvêssemos fingir que tínhamos trombose coronária - fazer de conta que tivemos um ataque que nos assustou uma medula... Já reparei que muitos indivíduos não começam a viver realmente, senão depois de estarem semimortos. É-nos preciso achar a maneira de ir insinuando nesta nossa vida terrena algumas das coisas que projetamos para o mundo da além. Torna-se imperativo experimentarmos um pouco mais desse sentimento de eternidade. E é necessário também decidirmo-nos a fazer na idade madura, e até antes dela, algumas das coisas que projetamos fazer na velhice.

1 comentário:

Anónimo disse...

Realmente este blog esta muito a frente... eu concordo plenamente com este extrato do livro. Relaxe e viva a vida